circuloperfeito

um olhar sobre as coisas que passam

segunda-feira, fevereiro 28, 2005

E nós?

Aguardamos com ansiedade a formação do novo governo. Já se disse tudo sobre o que queríamos dele. Que fosse curto, forte e coeso. Não mais de dez ministros. E alguns terão de ser super-ministros, ou pelo menos ministros com super-pastas. Esperamos que ponham a casa em ordem, que façam as limpezas necessárias. Que façam reformas, que organizem, que nos ponham num brinco.
Sir Humphrey (o famoso Director Geral da série “Sim Senhor Ministro” que fez esta semana 20 anos) sorriria com tamanha ambição e, decerto, teria uma palavra de conforto para o provável pânico que esta “encomenda” provocaria no seu Ministro.
Não sei como seria uma séria dessas em Portugal. Mas muitas das situações com que nos deparamos na nossa vida colectiva não ficariam atrás da versão original.
Temos uma noção difusa do que é a organização institucional. Existe por isso, com frequência, um conjunto de organizações paralelas, onde a informação se encontra dispersa, mal estruturada e não disponível.
Quando estamos perante um problema temos a tendência de começar tudo pelo zero, desperdiçando estudos e projectos executados no passado. Para além disso não gostamos de avaliar o que fazemos. É muito pouco frequente as organizações e as instituições conterem, em si mesmo, os elementos da sua avaliação e correcção de trajectos.
Afundados num individualismo profundo, sabemos pouco dos problemas e dos anseios dos outros. Como comunidade local, regional ou nacional, não sabemos muito bem para onde queremos ir, não temos uma estratégia ou objectivos colectivos. Isto faz com que demonstremos uma profunda incapacidade de definir prioridades, o que conduz a um abuso das atitudes casuísticas.
Apesar da solidariedade inexcedível perante situações de calamidade ou emergência, acumulamos “listas de espera” nas pequenas situações dramáticas quotidianas.
Existe uma aversão cultural a planear as situações. Desde as situações mais simples aos projectos mais complexos, a decisão tende a funcionar, preferencialmente, sem grandes estudos de impacto ou discussões.
Estamos assim perante um complexo problema estrutural de mentalidades, que ultrapassa a mera responsabilidade política e que nos toca a nós como sociedade.
Caberá ao poder político a capacidade de reinventar uma nova forma de governação que atenda e este problema de atitude e que poderá passar por uma forma diferente de envolver e comprometer os cidadãos na formulação das políticas.
Mas deve caber, cada vez mais, aos governados reflectir sobre este problema de atitude, que nos dilui cada vez mais como comunidade nacional e que sobretudo destrói a nossa já tradicionalmente baixa auto-estima.